O
meio processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
encontra-se previsto nos artigos 109º a 111º do Código de Procedimento nos
Tribunais Administrativos (doravante, CPTA), e surge como um meio processual da
maior importância, principalmente se atentarmos na evolução histórica do
contencioso administrativo. Ainda que a criação deste meio processual tenha
tido um percurso atribulado, um dos momentos-chave terá sido a inserção do nº4
do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), na
revisão de 97[1],
sendo igualmente uma consequência da exigência do artigo 20º/5 da CRP.
Desde logo é de salientar, no que cumpre à importância
desta forma de processo, que a mesma tem um âmbito suficientemente alargado, de
modo que abrange todo e qualquer direito, liberdade, e garantia, pelo que, e à
luz do disposto no artigo 17º da CRP, deve poder abranger igualmente os
direitos de natureza análoga.[2]
Por outro lado, uma ação que siga esta forma poda ser
intentada contra a Administração ou contra particulares, nos termos dos números
1 e 2 do artigo 109º do CPTA, estando os efeitos da decisão regulados no artigo
111º do CPTA.
Não cabendo no presente texto uma análise detalhada do
regime deste meio processual, cumpre salientar o caráter de subsidiariedade
desta forma processual em face do decretamento de providências cautelares. Nos
termos do disposto no artigo 109º do CPTA, a intimação pode ser requerida nos
casos em que, apesar de urgir uma decisão célere, não seja possível ou
suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, nos termos do
artigo 131º do CPTA.
No entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida, a
redação do preceito coloca “(…) a delicada questão da delimitação em
concreto do âmbito das situações em que se deve entender que a eventual adoção
de uma providência cautelar (…) não é capaz de evitar a constituição
irreversível ou a emergência de danos (…) que justifica o recurso a esta forma
de intimação (…)”[3].
A questão coloca-se e é extremamente complexa na medida em que as próprias
providências cautelares pressupõem, para a sua admissibilidade, a possibilidade
de existência de consequências gravosas ou irreversíveis. Ora, o problema que
se coloca neste âmbito parece ser o de que, para admissibilidade de recurso a
este tipo de intimação, o próprio decretamento de uma providência comportaria a
produção de consequências intoleráveis, uma vez que nos casos em que se recorre
à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, o que se
pretende obter é uma célere decisão de mérito.
Para Carla Amado Gomes, o recurso a este meio processual
não depende apenas da impossibilidade ou insuficiência do eventual decretamento
de uma providência cautelar, mas antes também da “(…) inexistência de
qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e
garantias determinados.”[4]
No entendimento desta autora, do que se trata é de uma manifestação do
princípio da interferência mínima, especialmente tendo em conta as
consequências de cada uma destas formas de processo.
Efetivamente, como se sabe, decorre da natureza
provisória da providência cautelar que a mesma possa ser revertida no processo
principal, que decide definitivamente do mérito da causa, sem prejuízo da
possibilidade de recurso. Ora, não é disso que se trata num processo urgente que
não tem esse caráter provisório, como é o caso do meio processual em apreço –
como foi referido supra, um dos traços diferenciadores entre a intimação
para proteção de direitos, liberdades e garantias e um processo cautelar (ambas
caracterizadas pela necessidade de uma decisão urgente para assegurar a efetiva
proteção dos direitos em causa) é o facto de a primeira decidir sobre o mérito
da causa, numa ação principal, ao contrário da segunda. Destarte, é possível
entender a ratio do argumento explicitado supra.
Posto isto, parece-nos que o argumento da autora se
prende muito com uma questão de indispensabilidade da admissibilidade da
intimação para a proteção do direito, liberdade ou garantia, que de outro modo
ficaria desprotegido, por o decretamento de uma providência cautelar ficar,
eventualmente, aquém da proteção exigida pela situação.
No que concerne a jurisprudência sobre este tema, cumpre
referir, de entre a vasta jurisprudência existente, o acórdão do TCAN, proc. 02931/15,
de 2016, no qual se refere igualmente os pressupostos de indispensabilidade
(artigo 109º/1 CPTA), bem como a subsidiariedade em relação a um meio de
providência cautelar. No âmbito deste acórdão escreve-se “(…) estão em
causa, em primeira linha, situações relacionadas com direitos, liberdades e
garantias com um estatuto de “preferred position” que exigem um especial
amparo jurisdicional, um meio subsidiário de tutela célere e prioritária,
vocacionado para intervir como uma válvula de segurança, quando a protecção
jurídica, atempada e efectiva, daqueles direitos mediante os demais meios de
processo administrativo não se mostrar apta ou adequada, por impossibilidade ou
insuficiência (…)”[5].
Posto isto, cumpre ainda referir o disposto no artigo
110º-A do CPTA. Nos termos deste preceito, é possível a “conversão” de um
processo que adote a forma de intimação para proteção de direitos, liberdades e
garantias, num processo cautelar. Este preceito foi consagrado no CPTA na
sequência da revisão de 2015, adotando o legislador um entendimento que vinha
já sendo propugnado pela doutrina. No entendimento do Professor Mário Aroso de
Almeida[6], esta solução tem por
fundamento o facto de, no caso de o juiz entender que, mesmo não estando
verificados os requisitos de admissibilidade da forma de processo prevista no
artigo 109º do CPTA, estariam preenchidos os pressupostos para o decretamento
provisório de uma providência cautelar, então deveria convolar-se num processo
cautelar. Esta seria sempre a solução mais adequada à luz dos princípios
processuais, bem como à luz do princípio da tutela judicial efetiva, tendo em
conta o facto de se tratar de questões de caráter urgente, relativas a
direitos, liberdades e garantias, havendo o perigo de lesão grave e
irreversível dos mesmos.
Assim, após esta breve exposição, entendemos que estamos
perante um meio de processo administrativo da maior importância, que revela o
caráter subjetivista do contencioso administrativo; mas, ainda assim, é
caracterizado pela sua subsidiariedade em face de outros meios processuais.
[1] GOMES, Carla Amado de (2003) Pretexto,
contexto e texto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e
garantias. 11.
[2] GOMES, op. cit. 13
[3] ALMEIDA, Mário Aroso de (2019) Manual
de Processo Administrativo. 3ª edição. Coimbra, Almedina. Ver página
[4] GOMES, op. cit. 19.
[5] Ac. TCAN de 4/3/2016 (proc. 02931/15
rel. Alexandra Alendouro)
[6] ALMEIDA, op. cit. página.