quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias

 


O meio processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias encontra-se previsto nos artigos 109º a 111º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA), e surge como um meio processual da maior importância, principalmente se atentarmos na evolução histórica do contencioso administrativo. Ainda que a criação deste meio processual tenha tido um percurso atribulado, um dos momentos-chave terá sido a inserção do nº4 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), na revisão de 97[1], sendo igualmente uma consequência da exigência do artigo 20º/5 da CRP.

            Desde logo é de salientar, no que cumpre à importância desta forma de processo, que a mesma tem um âmbito suficientemente alargado, de modo que abrange todo e qualquer direito, liberdade, e garantia, pelo que, e à luz do disposto no artigo 17º da CRP, deve poder abranger igualmente os direitos de natureza análoga.[2]

            Por outro lado, uma ação que siga esta forma poda ser intentada contra a Administração ou contra particulares, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 109º do CPTA, estando os efeitos da decisão regulados no artigo 111º do CPTA.

            Não cabendo no presente texto uma análise detalhada do regime deste meio processual, cumpre salientar o caráter de subsidiariedade desta forma processual em face do decretamento de providências cautelares. Nos termos do disposto no artigo 109º do CPTA, a intimação pode ser requerida nos casos em que, apesar de urgir uma decisão célere, não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, nos termos do artigo 131º do CPTA.

            No entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida, a redação do preceito coloca “(…) a delicada questão da delimitação em concreto do âmbito das situações em que se deve entender que a eventual adoção de uma providência cautelar (…) não é capaz de evitar a constituição irreversível ou a emergência de danos (…) que justifica o recurso a esta forma de intimação (…)”[3]. A questão coloca-se e é extremamente complexa na medida em que as próprias providências cautelares pressupõem, para a sua admissibilidade, a possibilidade de existência de consequências gravosas ou irreversíveis. Ora, o problema que se coloca neste âmbito parece ser o de que, para admissibilidade de recurso a este tipo de intimação, o próprio decretamento de uma providência comportaria a produção de consequências intoleráveis, uma vez que nos casos em que se recorre à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, o que se pretende obter é uma célere decisão de mérito.  

            Para Carla Amado Gomes, o recurso a este meio processual não depende apenas da impossibilidade ou insuficiência do eventual decretamento de uma providência cautelar, mas antes também da “(…) inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e garantias determinados.”[4] No entendimento desta autora, do que se trata é de uma manifestação do princípio da interferência mínima, especialmente tendo em conta as consequências de cada uma destas formas de processo.

            Efetivamente, como se sabe, decorre da natureza provisória da providência cautelar que a mesma possa ser revertida no processo principal, que decide definitivamente do mérito da causa, sem prejuízo da possibilidade de recurso. Ora, não é disso que se trata num processo urgente que não tem esse caráter provisório, como é o caso do meio processual em apreço – como foi referido supra, um dos traços diferenciadores entre a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e um processo cautelar (ambas caracterizadas pela necessidade de uma decisão urgente para assegurar a efetiva proteção dos direitos em causa) é o facto de a primeira decidir sobre o mérito da causa, numa ação principal, ao contrário da segunda. Destarte, é possível entender a ratio do argumento explicitado supra.

            Posto isto, parece-nos que o argumento da autora se prende muito com uma questão de indispensabilidade da admissibilidade da intimação para a proteção do direito, liberdade ou garantia, que de outro modo ficaria desprotegido, por o decretamento de uma providência cautelar ficar, eventualmente, aquém da proteção exigida pela situação.

            No que concerne a jurisprudência sobre este tema, cumpre referir, de entre a vasta jurisprudência existente, o acórdão do TCAN, proc. 02931/15, de 2016, no qual se refere igualmente os pressupostos de indispensabilidade (artigo 109º/1 CPTA), bem como a subsidiariedade em relação a um meio de providência cautelar. No âmbito deste acórdão escreve-se “(…) estão em causa, em primeira linha, situações relacionadas com direitos, liberdades e garantias com um estatuto de “preferred position” que exigem um especial amparo jurisdicional, um meio subsidiário de tutela célere e prioritária, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança, quando a protecção jurídica, atempada e efectiva, daqueles direitos mediante os demais meios de processo administrativo não se mostrar apta ou adequada, por impossibilidade ou insuficiência (…)”[5].

            Posto isto, cumpre ainda referir o disposto no artigo 110º-A do CPTA. Nos termos deste preceito, é possível a “conversão” de um processo que adote a forma de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, num processo cautelar. Este preceito foi consagrado no CPTA na sequência da revisão de 2015, adotando o legislador um entendimento que vinha já sendo propugnado pela doutrina. No entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida[6], esta solução tem por fundamento o facto de, no caso de o juiz entender que, mesmo não estando verificados os requisitos de admissibilidade da forma de processo prevista no artigo 109º do CPTA, estariam preenchidos os pressupostos para o decretamento provisório de uma providência cautelar, então deveria convolar-se num processo cautelar. Esta seria sempre a solução mais adequada à luz dos princípios processuais, bem como à luz do princípio da tutela judicial efetiva, tendo em conta o facto de se tratar de questões de caráter urgente, relativas a direitos, liberdades e garantias, havendo o perigo de lesão grave e irreversível dos mesmos.

            Assim, após esta breve exposição, entendemos que estamos perante um meio de processo administrativo da maior importância, que revela o caráter subjetivista do contencioso administrativo; mas, ainda assim, é caracterizado pela sua subsidiariedade em face de outros meios processuais.

 

Teresa Matta Raposo, nº58658



[1] GOMES, Carla Amado de (2003) Pretexto, contexto e texto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias. 11.

[2] GOMES, op. cit. 13

[3] ALMEIDA, Mário Aroso de (2019) Manual de Processo Administrativo. 3ª edição. Coimbra, Almedina. Ver página

[4] GOMES, op. cit. 19.

[5] Ac. TCAN de 4/3/2016 (proc. 02931/15 rel. Alexandra Alendouro)

[6] ALMEIDA, op. cit. página.

terça-feira, 31 de maio de 2016

O Doido e a Morte

   Estudámos, recentemente, a peça "O Doido e a Morte". Esta é uma obra muito interessante, com uma forte crítica social adjacente.
   Uma das personagens principais, o Senhor Milhões, tem uma perspetiva exagerada sobre o sentido da vida, planeando matar-se a si e ao Governador Civil. Inicialmente, pensamos que esta personagem é completamente louca e que apenas pretende ascender à condição divina ao matar alguém. Todavia, atarvés do seu discurso, apercebemo-nos de que este homem é, na verdade, um ser muito consciente. O Senhor Milhões revela que se apercebeu da inutilidade da sua vida e da de outros, como Baltazar Moscoso, sentindo-se, assim, no direito de acabar com ambas. Este é um aspeto essencial na obra, dado que evidencia a crítica que esta pretende transmitir, e nos esclarece em relação às razões que levam o Senhor Milhões a cometer este ato de tamanha loucura.
   Porém, quando se dá o desenlace, vemos que a bomba que o homem mais rico de Portugal pretendia explodir não passava de algodão em rama, não ferindo ninguém. Desta forma, tudo não passou de uma chamada de atenção e de uma maneira de Baltazar Moscoso refletir sobre a falta de sentido da vida que levava. Considerei este um aspeto de relevo na obra, uma vez que foi o momento em que se viu o que iria acontecer, mudando o rumo da ação e atribuindo um final inesperado à peça.



Teresa Matta Raposo

quinta-feira, 26 de maio de 2016

A poesia de Sophia de Mello Breyner Andressen

  Sophia de Mello Breyner Andressen, poeta do séc. XX, caracteriza-se pela sua visão única do conceito de poesia. Na sua obra podemos encontrar a ideia do poema como algo intrínseco que surge naturalmente;a ideia de oposição entre a natureza, espaço de liberdade e felicidade, e a cidade, espaço caótico de clausura; a ideia da liberdade, tanto como tema de poemas, como na sua própria forma, tantas vezes caracterizada pela ausência de pontuação ou pela irregularidade métrica; entre tantas outras.
  Eu penso que um dos aspetos mais importantes da poesia de Sophia é, sem dúvida, a forma como ela interpreta o conceito de poesia. Acredito que o facto de esta poeta ver o poema como algo que surge do interior de cada um atribui toda uma diferente fluência às suas obras, bem como uma naturalidade e simplicidade que não encontramos em muitos poemas. Além disso, penso que também muda o sentido de cada obra, tornando-a algo muito pessoal, através da qual podemos até estabelecer algum tipo de conexão com a própria Sophia.
  Também a importância dada à liberdade deve ser algo muito tido em consideração, especialmente dentro do contexto em que surgiram poemas com este caráter. Esta parte da sua obra assume inevitavelmente um papel de intervenção política, sendo que datam de antes do 25 de abril. Assim, penso que não é possível ignorar a importância social dos poemas que apelam à liberdade.
  Toda a obra de Sophia, quer conste das características acima referidas ou não, transmite uma mensagem muito forte, contudo, os aspetos que referi espelham de forma mais direta o pensamento da poeta, e por isso os considero tão importantes.


Teresa Matta Raposo

Livros de Linhagens e Fernão Lopes, qual a diferença?

  Na Idade Média, os livros de linhagens tinham a finalidade de registar as geneologias das grandes famílias, de modo a que cada um pudesse ter conhecimento de quem eram os seus antepassados, evitando, por exemplo, casamentos incestuosos. No entanto, diversos livros de linhagens foram mais do que simples genealogias. Muitos relatavam episódios cómicos ou feitos heróicos que enalteciam um certo indivíduo. Todavia, nem sempre o relato destes acontecimentos correspondia à verdade, uma vez que o que se contava era extremamente exagerado, chegando mesmo a ser inacreditável, como é o caso de certas lendas que chegaram até nós através destes livros.
  O mesmo não acontecia com Fernão Lopes, cujo objetivo era contar a História da forma mais objetiva e simples possível. Considerado o primeiro historiador português, Fernão Lopes procurava obter informações de fontes fidedignas, tanto orais como escritas, para que os acontecimentos relatados nas suas crónicas fossem o mais próximos da verdade possível.
  Assim, enquanto os livros de linhagens continham relatos de acontecimentos tão exagerados que induziam as pessoas em erro sobre o que tinha acontecido, Fernão Lopes preocupava-se com a veracidade dos episódios que contava, para que tal não acontecesse.


Teresa Matta Raposo

Visita de estudo a Sintra

  No passado dia 18 de abril, fomos numa visita de estudo a Sintra, no âmbito do estudo da obra Os Maias na disciplina de Português. Da parte da manhã, fizemos o percurso de Carlos pela vila no oitavo capítulo da obra, acompanhados por um guia que complementou a história do capítulo em questão com os locais que íamos visitando. À tarde, visitámos a Quinta da Regaleira.
  As minhas expetativas para esta visita eram muito elevadas, e, ainda assim, foram superadas. O guia que nos acompanhou durante a manhã tinha um enorme à vontade e conquistou-me desde o início. Conhecia a obra como a palma das suas mãos e foi surpreendente o modo como, a partir de um tema da obra, conseguia começar a falar de outro, sem que parecesse estar a divagar ou a perder-se no raciocínio. Honestamente, foi uma das melhores visitas guiadas que já tive, e se não tivesse já terminado a leitura da obra, penso que teria ficado com vontade de a ler.
  A visita dificilmente poderia melhorar, até que chegámos à Quinta da Regaleira. Um sítio que a maioria só consegue imaginar em sonhos. Apesar da visita guiada não ter chegado nem aos calcanhares da anterior, foi uma tarde muito agradável passada num sítio mágico.
  Não consigo definir qual das partes da visita mais gostei, uma vez que toda a visita de estudo em si foi fantástica e eu sinto-me muito agradecida por ter tido a oportunidade de participar nela.


Teresa Matta Raposo

sábado, 19 de março de 2016

Visita ao Centro de Arte Moderna

Na manhã do passado dia 26 de novembro, a turma I do 11° ano da Escola Secundária du Bocage visitou a exposição “Círculos Delaunay” no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no âmbito da disciplina de Literatura Portuguesa. A finalidade desta visita foi começarmos a ter uma ideia do que foi o modernismo, especialmente no âmbito literário, uma vez que iremos estudar autores desta época, como Fernando Pessoa, no terceiro período do corrente ano letivo.  O modernismo foi um conjunto de movimentos artísticos, e não só, dos finais do séc. XIX e séc. XX, que visava a inovação e o corte com aquilo que era considerado tradicional. Algumas das entidades marcantes desta época, faladas durante a nossa visita, são o casal Delaunay, criadores dos círculos órficos, Amadeo de Souza Cardoso, Almada Negreiros e Fernando Pessoa. Além destas personalidades, falaram-nos também da revista Orpheu e do Círculo Delaunay. Neste nosso testemunho sobre o que aprendemos com a visita, falaremos sobre tudo o que mencionámos anteriormente, exceptuando Fernando Pessoa, uma vez que foi também feito um artigo exclusivamente sobre o percurso pessoano, que realizámos da parte da tarde.


Teresa Matta Raposo, Maria de Abreu, Mariana Pereira

"A Balada do Caixão", António Nobre

O tema do poema "Balada do caixão", de António Nobre, é a morte. Neste texto, o assunto tratado é a antevisão e preparação do sujeito poético para o fim da sua vida. No que toca às linhas temáticas e às características do estilo e da linguagem da poesia de António Nobre, podemos encontrar temas mórbidos e a obsessão pela morte, sendo este o tema do poema. Como já foi dito, encontramos a conjugação do humor com temas sérios -«(...) Nenhum de vós, ao meu enterro,/ Irá mais dânde, olhai! do que eu!»-. Encontramos também neste poema  um tom coloquial e pontuação que remetem para um certo prosaísmo -«(...) Fui-me lá, ontem:/ era Entrudo/ Havia imendo que fazer (...)/ Olá, bom homem! quero um fato,/ Tem que me sirva?- Vamos ver (...)»-. Em relação à influência das estéticas finisseculares, podemos ligar o gosto do poeta pelo macabro ao Decandentismo e, no que toca aos recursos estilísticos a que António Nobre recorre neste poema, temos a apóstrofe -« Ó meus Amigos! (...)»-, mas deparamo-nos principalmente com metáforas várias que compõem o eufemismo da morte ao longo do texto -« O meu vizinho é carpinteiro/ Algibebe da Dona Morte./ Penteia e cose, o dia inteiro,/ Fatos de pau de toda a sorte (...)»-.


Teresa Matta Raposo e Adriana Fernandes